25 agosto, 2010

Direitos Animais

 

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A Era Moderna foi marcada pela instrumentalização do sentido das coisas, buscava-se nos outros seres uma concepção finalista, no instante que colocava o homem no centro do mundo, dominador de tudo aquilo que estava ao seu redor.

Destacam-se os textos de René Descartes, filósofo racionalista francês, que viveu de 1596 a 1650 e que defendia a tese mecanicista da natureza animal, influenciando, até hoje, o mundo da ciência experimental. Para ele, os animais são destituídos de qualquer dimensão espiritual, e que, embora, dotados de visão, audição e tato; são insensíveis à dor, incapazes de pensamento e consciência de si.

Esta tradição ocidental que excluí os animais de qualquer consideração moral serve como fundamento para realização de experimentos com animais, tendo como apoio a fisiologia, que permitiu que se ignorasse o aparente sofrimento dos animais em experiências em prol do bem-estar humano.

O presente artigo busca examinar o alcance dessa teoria que exclui os animais de qualquer consideração moral, servindo como fundamento para realização de experimentos e práticas de maus-tratos até os dias atuais.

É sabido que, após a propositura de ações envolvendo animais, tais como os casos: Northern Spotted Owl v. Hodel, 716 F. Supp. 479 (WD Wash, 1988); Northern Spotted Owl v. Lujan, 758 F. Supp. 621 (WD Wash, 1991); Mt. Graham Red Squirrel v. Yeutter, 930 F. 2d 703 (9th Cir. 1991); Palila v. Hawaii Dep. of Land and Natural Resources, 836 F. Supp. 45 (D Mass. 1993), todos nos EUA; e o case Suíça v. Zoológico de Salvador, no Brasil; o meio jurídico se questiona sobre as possíveis transformações dos padrões morais da sociedade e o seu reflexo na atuação dos operadores e na própria legislação.
Para Tom Regan, o lugar dos animais no entrelaçado moral de nossa cultura mudou e expressões, como: direito dos animais; têm feito parte do nosso vocabulário diário, demonstrando os efeitos desta reviravolta.

Realmente, há um tempo atrás, se falar em direito dos animais poderia ser considerado algo excêntrico, contudo, no contexto atual, a expressão já é considerada uma realidade. O tratamento e as atitudes, que adotamos em relação aos animais, ensejam enormes contradições que a depender da cultura, pode os inserir ou não na esfera de moralidade de determinada sociedade.

Nesse sentido, os seres sencientes teriam direitos e não admiti-los, negando este status moral ao animal, seria desprezar as reivindicações sobre o "progresso" humano sem dor, o que se contrapõe com o número maciço dos animais usados em pesquisas e na indústria.

Segundo Rita Paixão, embora sejam possíveis diversas abordagens, basicamente são duas grandes as teorias morais que têm pautado o debate dos direitos dos animais: 1) a perspectiva conseqüencialista, trazida à tona nos anos 1970 com Peter Singer (2004) a partir da obra Libertação Animal que tem sua raiz na perspectiva utilitarista de Jeremy Bentham, o qual já havia introduzido a idéia da necessidade de ampliar a esfera moral; 2) a visão dos direitos dos animais, baseada no princípio kantiano aplicado aos animais, ou seja, o "animal deve ser tratado como um fim em si mesmo, e não como um mero meio", o principal defensor é Tom Regan, filósofo norte-americano, com a obra The Case for Animal Rights (1983) e Empty Cages (2004), aonde ratifica e identifica uma esfera moral onde os animais estariam inseridos.

No ordenamento jurídico brasileiro, o primeiro registro de uma norma a proteger animais de quaisquer abusos ou crueldade, foi o Código de Posturas de seis de outubro de 1886, do Município de São Paulo, em que o artigo 220 dizia que os cocheiros, condutores de carroça estavam proibidos de maltratar animais com castigos bárbaros e imoderados, prevendo multa.

Todavia, somente com o advento da Constituição de 1988, quando as normas de direito ambiental adquirem status constitucional é que se obriga o Poder Público e a coletividade a preservar o meio ambiente e sua fauna, vedando toda e qualquer prática que submeta os animais a crueldade.

Com efeito, para Heron Santana Gordilho, a Constituição Federal, em seu art. 225, §1º, VIII, reconhece que os animais são dotados de sensibilidade, impondo a sociedade e ao Estado o dever de respeitar a vida, a liberdade corporal e a integridade física desses seres, além de proibir expressamente as práticas que coloquem em risco a função ecológica, provoque a extinção ou submetam à crueldade qualquer animal.

Ora, para ele, a norma constitucional atribui um mínimo de direito: o de não submeter seres sencientes a tratamentos cruéis, práticas que coloquem em risco a sua função ecológica ou ponham em risco a preservação de sua espécie.

De fato, o Brasil é um dos poucos países do mundo a vedar, na própria Constituição Federal, a prática de crueldade para com os animais. A maioria das Cartas Estaduais, acompanhando aquele mandamento supremo, proíbe a submissão de animais a atos cruéis. Por isso, Laerte Levai afirma que o repertório jurídico brasileiro é mais do que suficiente para proteger os animais da maldade humana.

Apesar disso, o Brasil ainda utiliza, sem qualquer controle, estes seres vivos, desprezando a farta legislação existente sobre o assunto. Para Sônia Felipe, esse é um sintoma das leis brasileiras de proteção animal que foram aprovadas sem qualquer fundamentação filosófica durante os regimes ditatoriais. Quando os cidadãos foram privados de sua liberdade de expressão política e demais direitos democráticos. Para a autora, antes da Constituição de 1988, os animais ficaram sob a guarda ou proteção de um Estado não-democrático que fazia leis, mas que se recusava a respeitá-las.

Porém, o não emprego dessa legislação não significa a inexistência de um direito que deve ser assegurado e garantido pelos órgãos públicos judiciais.

Portanto, para Luciano Santana e Thiago Pires, é atribuição do Ministério Público a salvaguarda dos interesses dos animais, de modo a garantir a dignidade animal - entendida como a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser senciente, fazendo-o merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade humana.

Deste modo, espera-se que, em um tempo próximo, possamos efetivar, ainda mais, os direitos dos animais, percebendo que algumas das práticas que denominamos científicas ou comuns na sociedade atual são na verdade atrocidades e, por isso, devem cessar.

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